sexta-feira, 8 de março de 2013

A realidade dos Sem-Abrigo em Coimbra




A realidade dos Sem-Abrigo em Coimbra, pela ONG Hemisférios Solidários:

Para além dos muros e dos números: reflexões acerca da 1ª Contagem e Caracterização de Pessoas sem-abrigo na cidade de Coimbra.



Só se combate eficazmente o que se conhece.
Laborinho Lúcio





A Associação Hemisférios Solidários, é uma organização sem fins lucrativos (ONGD) que tem como fim a intervenção sociocultural comunitária na promoção dos Direitos Humanos.

Este ator social sediado em Coimbra, tem dado uma particular atenção aos problemas das pessoas em situação de sem-abrigo, dado que estes cidadãos vivem em Portugal situações de pobreza extrema o que configura múltiplas violações de direitos humanos.

Atendendo à urgência sentida de desenvolver estratégias de intervenção social que contribuam para a resolução dos problemas das pessoas em situação de sem-abrigo, a Hemisférios Solidários decidiu apresentar no 2º semestre de 2012 às instituições integradas no PISAC (Projeto de Intervenção com os Sem-Abrigo do Concelho de Coimbra), uma proposta para um estudo aprofundado sobre a realidade da pessoa em situação de sem-abrigo em Coimbra e que seria operacionalizado através de uma contagem e caracterização desta população.

Este estudo que pretendemos fazer é necessário, atual e pertinente dado que estamos a sofrer as consequências da crise económica e financeira que se traduz em aumentos significativos do desemprego e da pobreza, bem como tornou ainda mais difícil a integração social em resultado dos cortes nas políticas sociais. Pretende ser uma investigação para a ação e para a mudança social, colmatando um deficit de conhecimento, dado que em Portugal não existem estudos atualizados sobre a realidade e os problemas das pessoas sem-abrigo, nem tão pouco sobre os custos que a manutenção deste problema acarreta no orçamento da Segurança Social. A melhoria e a eficácia das políticas sociais deviam ser repensadas à luz do conhecimento e a sua racionalidade deveria traduzir justiça e bem-estar social. Não podemos deixar de ser críticos perante os muros de uma realidade social que muitas vezes não quer ver o evidente: a mudança é necessária, um novo paradigma no trabalho com os sem-abrigo é urgente. Muitos argumentos podíamos usar nesta reflexão, mas fiquemos com os resultados de um estudo realizado por Pomeroy (2005) que demonstrou que a habitação a preços acessíveis e com apoios, é cinco vezes mais barata do que certas respostas institucionais para pessoas sem-abrigo (incluindo prisões, colégios de reinserção e hospitais psiquiátricos) e cerca de metade do custo dos abrigos de emergência.

Foram estas e muitas outras questões, que juntaram pessoas interessadas em fazer ruturas nas visões assistencialistas da questão social e que decidiram tomar em mãos o grande desafio de realizar em Coimbra, a 1ª Contagem e Caracterização de Pessoas sem-abrigo na cidade.

Esta iniciativa exigiu meses de pesquisa de boas práticas, troca de informação com diferentes parceiros internacionais, muitas horas de reflexão e discussão com o grupo de investigação e com o PISAC, contactos com voluntários, preparação de documentação, etc. Depois de muito trabalho e de se conseguir superar muitas dificuldades, avançou-se com a formação de voluntários, requisito fundamental e chave de sucesso de toda a operação.

Foi pelas 9:00 do dia 30 de Janeiro que se iniciou a 1ª Contagem e Caracterização de Pessoas sem-abrigo na cidade de Coimbra. Participaram na contagem 36 voluntários, distribuídos em grupos de três pessoas, a quem foi atribuído um Cartão de Identidade de Entrevistador e que foi criado de propósito para a operação de contagem e caracterização. A cidade de Coimbra foi dividida em cinco Zonas e cada equipa cobriu uma zona específica. A contagem foi feita de dia e de noite em ”equipamentos sociais” e na “Rua”. Foram dias intensos de identificação e visita a locais de pernoita e a locais de habitação precária ou inadequada em uso por parte de pessoas em situação de sem-abrigo. A pé foram percorridos centenas de Km de ruas e visitadas habitações ocupadas, fábricas, pontes, viaturas, armazéns, edifícios colapsados, com o objetivo de ouvir e dar voz às preocupações e necessidades das pessoas sem-abrigo da cidade. Este processo de contacto aprofundado com as vítimas da exclusão económica e social na cidade, decorreu também na maior parte das instituições que integram o PISAC, que abriram as portas aos entrevistadores para que os utentes pudessem também ser entrevistados com base no mesmo Protocolo.  



O objetivo desta contagem e caracterização, não foi só a obtenção de dados quantitativos relativos às pessoas sem habitação, mas fundamentalmente fazer um diagnóstico sobre as características e espectativas destes cidadãos, partindo da informação dada pelos próprios.

Este trabalho foi um exercício cívico de solidariedade e de democracia, na medida em que os voluntários participantes estabeleceram relações, ouviram, dialogaram e conviveram com pessoas em situação de sem-abrigo que vivem na rua ou estão temporariamente institucionalizadas.

Esta foi uma iniciativa importante e inovadora iniciativa, tanto na cidade de Coimbra, como no resto do país, pois que pela 1ª vez se utilizaram instrumentos científicos que garantem a qualidade técnica da intervenção e alguns deles já em uso noutros países. Ao contrário das contagens feitas em Madrid, Paris, Londres, Nova York, Toronto, Buenos Aires, etc, em Coimbra foi feita a contagem e em simultâneo uma caracterização profunda das pessoas em situação de sem-abrigo para que seja possível construir Planos Individuais de Inserção, eficazes e eficientes.

Sem dúvida nenhuma, esta foi uma iniciativa complexa com respeito à metodologia, mas também porque o universo dos inquiridos são um grupo social invisibilizado e que quer anonimato. Por isso qualquer atuação que suponha identificar e caracterizar este fenómeno social, requer uma metodologia muito específica.

Por esta razão reunimos no nosso protocolo de entrevista quatro instrumentos diferentes, mas que foram ao encontro das nossas preocupações e que são ótimos instrumentos de diagnóstico para uma intervenção sustentada na resolução dos problemas das pessoas em situação de sem-abrigo e que foram os seguintes:

1. Rehousing Triage and Assessment Survey (RTAS) - é um questionário usado para avaliar a saúde e a vulnerabilidade das pessoas sem-abrigo de uma comunidade. É um instrumento que permite priorizar e adequar recursos em função das necessidades do cliente e garantir que os apoios e a habitação disponibilizados numa comunidade estão acessíveis para quem mais necessita deles. As questões abordadas pelo RTAS, dizem respeito a aspetos demográficos, história de vida e habitacional do sem-abrigo, vulnerabilidade, sistemas de interação, fonte de rendimentos e preferências habitacionais.

2. Escala de depressão CES-D (Centre for Epidemiologie Studies of the National Institute of Mental Health - USA) é um instrumento utilizado em estudos que comparam a sintomatologia depressiva entre diversas populações de uma comunidade, tendo-se revelado um preditor sensível de diagnóstico da depressão, com indícios de confiabilidade e validade satisfatórios. A sua aplicação a pessoas sem-abrigo foi feita por Ritchey (1990) que verificou na sua amostra um elevado nível de angústia entre os sem-abrigo. O seu estudo revelou também que as pessoas sem-abrigo sofrem de altas taxas de sintomatologia depressiva, o que é indicativo de um sofrimento extremo.

3. Teste de Objetivos de Vida - PIL-R (Purpose in Life Test) é um instrumento que tem como fim avaliar quais os objetivos, ambições, metas e aspirações que imprimem um sentido e significado pessoal na existência do individuo. O PIL-R é um indicador da capacidade do individuo estabelecer objetivos, metas e aspirações e ainda conhecer como é que cada pessoa avalia as suas vivências e se relaciona com a sua própria vida. Para além disso, o PIL-R ao estrutura-se à volta de dois fatores, isto é, itens que integram uma componente afetiva (sentimentos e experiencias de vida, objetivos na vida, satisfação de vida, qualidade de vida) e itens que integram uma dimensão cognitiva (o significado atribuído à existência do ser humano, o sentido da vida, a consciência do significado e do sentido da vida) o instrumento revela imensas potencialidades ao revelar dimensões e experiencias pessoais relevantes (Peralta 2008).

4. Questionário de Percepção de Apoio Social avalia as dimensões de apoio emocional, conselho e ajuda e a reciprocidade no apoio. Oferece também uma pontuação total para o apoio funcional e a reciprocidade no apoio, bem como o número dos componentes da rede do apoio. Este instrumento permite ademais obter pontuações separadas para as diferentes fontes de apoio social: familiares, vizinhos, irmãos, filhos/as, etc. ( Gracia, Herrero e Musitu, 2002).

Foi com estes os instrumentos que a Associação Hemisférios Solidários fez a “1ª Contagem e Caracterização das pessoas em situação de sem abrigo em Coimbra". Apesar da complexidade e exigência do processo, foram contactadas 262 pessoas, sendo que destas 178 colaboraram nas entrevistas e outras 84 foram sinalizadas. Foi dada voz às pessoas em situação de sem-abrigo e os seus problemas ouvidos: a pretexto duma entrevista foi dada esperança! O processo de ajuda pode ser curto ou longo, fácil ou difícil, dependendo muito da situação de vulnerabilidade a que a pessoa se encontra exposta e também à duração da sua condição de sem-abrigo, mas com os dados obtidos a Associação Hemisférios Solidários pretende sustentar cientificamente as suas opções de trabalho, com vista à eliminação dos problemas das pessoas sem-abrigo.




Sem comentários:

Enviar um comentário