domingo, 17 de fevereiro de 2013

O conflito na Síria



Criança síria em campo de refugiados na Jordânia


 
O conflito na Síria marca um dos momentos mais negros da história da actualidade. Falar sobre Direitos Humanos em pleno século XXI é uma realidade totalmente estranha ao povo Sírio, que atravessa uma das mais sangrentas guerras civis de forma silenciosa e com fraca intervenção da comunidade internacional.

O Estado Sírio obteve a sua independência do mandato francês enquanto república parlamentar em 1946, mas atravessou desde então períodos tumultuosos e de grande instabilidade. A maioria das protecções e direitos constitucionais dos cidadãos estão suspensos sob a concentração do poder político numa minoria presidencial autoritária. O actual presidente da Síria é Bashar al-Assad, filho de Hafez al-Assad que governou este país desde 1970 até ao ano da sua morte (2000).

Desde Março de 2011 que os cidadãos se manifestam nas ruas pela sua liberdade mediante o regime em vigor. Trata-se de uma violenta guerra civil em que, de acordo com declarações das Nações Unidas, já terão morrido mais de 60.000 civis e da qual resultam mais de 500.000 refugiados.

Este conflito insere-se na Primavera Árabe e pela dimensão das consequências supracitadas o Conselho de Segurança da ONU terá votado uma resolução contra o governo de Assad, tendo no entanto sido vetada pela Rússia e pela China.

Cremos que a comunidade internacional deve preocupar-se com o cumprimento dos Direitos Humanos destes cidadãos, que se encontram impossibilitados de expressar-se livremente, sem condições de segurança e acesso aos elementos mais básicos de saúde, alimentação e habitação. Devemos estar alerta para esta onda de violência, manifestar a nossa indignação contra este regime opressivo e reflectir sobre o que sucederá se a ditadura de Damasco for efectivamente derrubada e em que condições será reconstruído o Estado do povo sírio, onde aspiramos a que não mais sejam violados os direitos essenciais dos cidadãos inocentes.



Para conhecer melhor esta realidade, entrevistámos um grupo de sírios que procura relatar para o mundo a partir das redes sociais e de um canal de notícias em espanhol – “Noticias de Siria” o que está a suceder no seu país.





Qual é a origem do conflito na Síria?

Desde o golpe militar de Hafez Assad (pai do actual ditador) no ano de 1969, a Síria vive sob uma das piores ditaduras militares. Houve uma revolução parecida à que decorre actualmente no ano de 1979, dirigida pelo partido da oposição (os irmãos muçulmanos) mas fracassou perante o massacre de Hama cometido pelo exército de Al-Assad no ano de 1982 onde foram mortos quarenta mil civis em menos de um mês.

Após o ano de 1982 vigorou como um só partido governamental o partido de Al-Bath (porque saiu a lei número 8 que diz que Al-Bath é o único partido no país, bem como a lei nº 49 que condena à pena de morte todas as pessoas que estejam ligadas aos irmãos muçulmanos. Desde esse momento temos gerações que já não puderam disfrutar nem do nível mais baixo de democracia, eleições e até mesmo liberdade de expressão. Mais ainda, vivemos num estado de emergência em que qualquer membro das forças de segurança tem o direito a deter e matar qualquer pessoa a partir da suspeita de ser opositor ao regime que converteu a Síria num estado de terror.

Por outro lado, o grupo de Al-Assad dirige e controla toda a economia do país, como directores da maioria das empresas e instalações públicas e privadas, enquanto que 95% do povo trabalha como seu escravo, convertendo a Síria em uma “garanja del Al-Assad”.

Em suma, a ausência de justiça, da vida política democrática e o direito de expressar-se, assim como ver que os postos de trabalho de qualquer empresa privada ou pública estão ocupados sempre por partidários do regime, são alguns dos motivos mais importantes para estar contra esse mesmo regime.


Depois da declaração da ONU de que este conflito já alcançou o número de 60.000 vítimas mortais, algo mudou na Síria?

Nada mudou, porque os revolucionários (rebeldes) querem derrotar o regime a todo o custo, enquanto que o regime de Al-Assad quer manter-se no poder a qualquer custo também. Desta forma, enquanto um não acabe com o outro não haverá nenhuma mudança. Todos devem saber que as forças de Al-Assad estão munidas com armas russas e disfrutam de todo o tipo de armamento pesado como mísseis, tanques e aviões, enquanto que os rebeldes conseguem as suas armas, sob o lema “custe o que custe, a luta segue”.



Qual seria a solução adequada para a busca de paz e para selar este conflito?

Não haverá paz enquanto exista o ditador Bashar Al-Assad bem como os seus homens e mercenários do país. E ele deve ser julgado por todos os crimes que foram cometidos.


O povo sírio tem sido vítima de graves abusos contra os direitos humanos. Que direitos estão postos em causa?

Antes da revolução: nem sequer tínhamos o direito de dizer que não estávamos de acordo com o regime, portanto que direitos tínhamos?

Durante a revolução: detenções massivas e arbitrárias (falamos de mais de 190 mil detidos neste momento sob todo o tipo de tortura, entre eles milhares de mulheres (muitas que foram violadas, outras detidas por ajudar em hospitais clandestinos, outras por serem irmãs, mães ou esposas de activistas e outras ainda para pressionar os rebeldes a entregarem-se), privação de cuidados médicos, execuções extrajudiciais, disparos contra qualquer manifestação (zonas controladas pelo regime), bombardeamentos indiscriminados contra qualquer zona controlada pelos rebeldes – chegaram a bombardear padarias e inclusivamente universidades, como sucedeu a 15/01/2013 na Universidade de Alepo, bombardeada no momento em que os alunos saiam dos seus exames, contenção da fuga dos refugiados sírios para os países vizinhos (o exército de Al-Assad plantou ultimamente milhares de minas antipessoais terrestres nas suas fronteiras com o Líbano e a Turquia … falamos de uma lista sem fim de abusos e crimes contra a humanidade.


Que mensagem é importante transmitir para a comunidade internacional acerca da situação do povo sírio?

Aos presidentes da comunidade internacional: sabemos que não vão intervir na Síria como na Líbia, ou como nas vossas invasões contra o Afeganistão, Iraque e Mali, porque não temos tantos recursos e petróleo para ser roubado. Aos povos da comunidade internacional: necessitamos que ajudem a cuidar dos campos de refugiados sírios, sobretudo os que existem no deserto jordano.



AI